Sim, lembro-me perfeitamente...
Sim, lembro-me perfeitamente do lançamento do primeiro gameboy. Lembro-me de esperar 6 anos até ter o meu - julgo que, actualmente, ninguém espera tanto tempo por nada nem ninguém. Apesar da vontade mantida, lembro-me também de como perdeu parte do encanto algum tempo depois.
Essa constatação manteve-se ao longo da vida. Estranhamente, cada coisa desejada perdia o encanto ao fim de algum tempo após atingida. Intrigava-me já em miúda; e eu não tinha tudo o que queria, havendo claramente um período de latência grande entre o desejo e a sua eventual concretização.
E assim finalizei o #minsgame: 30 dias, mais de 496 coisas subtraídas à casa.
De todas, a grande maioria foram dadas. Roupa aos sem abrigo; utensílios de cozinha a quem precisava; os livros lidos e relidos entregues à biblioteca local; consola a miúdos que nunca a teriam tido e cuja mãe mais tarde me disse “Fiquei a vê-los. Não percebo nada daquilo, mas a felicidade deles era tudo.” Ainda vendi 3 coisas no OLX, mas a rapidez com que me queria libertar das coisas não era compatível com processos de regateio e venda. Por outro lado, dar soube sempre melhor.
Fotografei as coisas diariamente; muitas delas não tinham qualquer significado emocional, mas algumas fotografias tiveram como objectivo guardar num caderno as que tinham. Porque, efectivamente, as lembranças estão connosco e não nos objectos.
A subtracção permitiu arrumar a casa; voltar atrás no tempo e endireitar o espaço. Espaço esse que me permitiu ver e usar mais as coisas que ficaram porque, se sobreviveram à subtracção, foi por terem utilidade ou adicionarem valor à minha existência.
Por outro lado, o espaço aberto deu-me espaço e tempo para a claridade mental; para parar e reflectir; para não ir atrás da próxima falsa sensação de urgência que qualquer anúncio grita.
Agora penso e repenso. Não sou minimalista no sentido do Colin Wright cuja mala contém tudo quanto possui, mas sim na intenção. Na escolha ponderada.
E escrevo. Consigo ter uma secretária ampla que me permite a leveza de pensar e escrever, como na altura do lançamento do gameboy.
Por isso escreve, meu amor!, escreve. Pode ser que ao escrever desenhes o mapa do teu regresso.