Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado. (....)”
Estou hoje cansada. Cansada do mundo ou apenas de mim.
Em Maio retomei o registo dos meus motivos de gratidão, em conjunto com o início de um diário em papel traçado a caneta.
Estou hoje desencantada. Desencantada com o mundo ou apenas comigo.
É em dias como o de hoje que sinto maior necessidade de procurar activamente os motivos de gratidão na minha vida. É em dias como este que encontro mais do que os três que me propus registar.
Porque, no fim de tudo, há maior infinidade no bom.
“You should not be disgusted, or lose heart, or give up if you are not wholly successful in accomplishing every action according to correct principles, but when you are thwarted, return to the struggle, and be well contented if for the most part your actions are worthier of human nature.” - Marcus Aurelius, Meditations.
Foi quando os dias se espraiaram em direcção ao Verão que chegaste, disposta a entrar na maré que me levava.
Foi quando quiseste. Porque pudeste.
Pudesse eu voltar costas às costas que me mostraste.
Darling, be careful with me 'cause there's part of me that you don't know Darling, be gentle with me when you tell me that you need to go And if you should miss me, don't call me don't tell me, just leave me alone Because you cut me wide open left teardrops on all my white roses
Há muitas luas atrás abandonei a câmara. Deixei-a na noite em que apagaste as estrelas. Senti, de alguma forma, que se lhe pegasse a objectiva iria focar o ponto inverso da tua alma em mim.
Mas hoje decidi fotografar uma gota de água. Uma gota de água sem o teu reflexo. Pura. Afinal, a minha capacidade de existir é perfeitamente alheia à tua respiração.
Deixo-te à beira da estrada de há anos, onde a criança que foste ficou perdida à procura de família enquanto, à altura dos olhos, todos os pares de pernas de adultos eram iguais.
Boa noite. Espero que o sol amanheça com um sorriso morno em ti.
Eu deixo-te aí. A minha estrada é outra.
Não foi engano.
Não foi destino.
Foi caminho. Para mim. Para casa.
Bom dia. Acordei!
I've got a king sized bed and a PhD in the way it used to be.
Numa pequena sala, que vim a considerar acolhedora, perguntaram-me há anos o que era a bondade.
A minha resposta foi um silêncio embaraçado.
O que é a bondade?
Na altura julguei que seria dizer “sim” a tudo e a todos, mas quando parti desse pressuposto para a acção, dei-me conta de estar longe de me sentir bondosa.Dizer a tudo e a todos que sim deixou-me exausta, impaciente, intolerante, irritável e irritante...
Na casa da minha infância, antes das suas paredes reflectirem mais ecos, o meu pai pediu-me que fosse boa profissional e uma profissional boa.
O que é a bondade?
Continuo a lutar com o conceito. Dou-lhe a mão de um lado, levanto-lhe o braço do outro, inspecciono as pregas da roupa que veste e continuo pouco certa.
O que é a bondade?
O mais próximo que consigo é ser mais coerente com os meus valores; é treinar a consciência que me permite aceitar o outro como meu semelhante. Despir-me dos meus juízos e compreender que, ainda que não me faça sentido, alguma coisa o preocupa do outro lado e tentar ouvir; estar verdadeiramente presente no presente.
Persigo há semanas as ideias que julgo pensar sem que consiga, de facto, condensá-las em frases com nexo. Fico sempre aquém. Estou quase a vê-las; quase lhes oiço a harmonia, mas tornam a evadir-se de onde nunca chegaram a ter forma ou cor.
Hoje será confuso, mas hoje terá que servir.
A primeira vez que me senti em estado de consciência foi na 2ª circular, a caminho de um emprego que odiava, a ouvir a abertura do Sonho de uma Noite de Verão de Mendelssohn. Nas próximas horas estaria provável e certamente a viver contra a minha noção de verdade, mas naquele instante, o crescente das cordas, metais e percussão era tudo. Era aquilo. Naquele instante. Ali.
A segunda vez que me senti em consciência foi num duche, quando consegui aperceber-me de cada milímetro de pele em que as gotas de água quente tocavam. Era aquilo. Naquele instante. Ali.
E depois a vida meteu-se no caminho e perdi o fio condutor, enquanto tecia com ele considerações sobre nada que pudesse controlar.
Na minha viagem em busca daquele instante em que existir bastava, encontrei filosofia e mindfulness.
A tentativa confusa de síntese:
As minhas emoções são consequência dos meus pensamentos sobre as situações actuais; não são emoções de forma absoluta, ou seja, se isoladas do contexto do julgamento inicial. Alterando este, no centro racional do meu ser, talvez consiga alterar as emoções. Mas será necessário alterá-las? Ou bastará apenas reconhecer-lhes a existência, como ao crescente das cordas, metais e percussão em Mendelssohn ou às gotas de água quente que beijam a pele, e aceitá-las como entidades que surgem e, dado o tempo necessário, desaparecem sem que, em nada, alterem a essência da minha consciência?
O sentido da vida faz-me sentido se for concordante com os meus valores; com a virtude existente em cada ser humano como parte integrante de um universo. A felicidade encontra-se nesses instantes vários, episódicos, de consciência do que é, mais ainda se as acções estiverem em concordância com a nossa virtude.
O treino desta consciencialização permite reproduzir esses vários instantes, ao longo do tempo, ao longo da vida, de modo a serem cada vez mais frequentes.
Hoje é confuso, mas por hoje serve. E, por favor, não me tragam Descartes para a equação, que essa variável para mim (ainda) é incógnita.
“(...) each of us lives only in the present, this fleeting moment of time, and that the rest of one’s life has already been lived or lies in an unknowable future. The space of each person’s existence is thus a little thing (...)” - Marcus Aurelius, Meditations.
Acabei hoje a leitura do livro The Waterproof Bible de Andrew Kaufman. Comprado há quase 10 anos, ficou adormecido à espera do seu dia. E esse dia foi há pouco mais de uma semana, quando o reencontrei ao enquadrar o escritório e as suas estantes no minimalismo.
Ontem, uma das passagens marcou-me. Quando deus, na forma feminina e desesperada com a incompreensão humana, desabafa o seguinte:
“But at least I’m not running around putting a beginning, middle and end on everything”, she said, letting go of his collar. (...) “Have you people never noticed that there’s a central flaw? No? Here comes the clue - the only difference between a happy ending and a sad ending is where you decide the story ends.”
Quase de propósito, num encontro agendado há tanto tempo atrás, terminei ontem a tarde numa conversa invulgar, não obstante familiar, com um estranho que me leu antes de me conhecer. Em conjunto, desconstruímos ideias para chegar aos afectos.
E foi aqui que fiquei: é legítimo retirar algumas coisas das relações humanas, como a descoberta do outro e de nós; inspiração; prazer. Mas não faz sentido, nem é justo para nenhuma das partes, querer retirar do conjunto partilhado o que cada um de nós julga que uma relação deve ser ou parecer.
Nessa leveza senti que o erro não era teu, nem meu, nem de ninguém. Teria bastado ser o que foi ainda que coisa nenhuma. Talvez eu tivesse tido que mergulhar nesse mar revolto para quase me afogar e, nessa morte figurativa, chegar mais perto da minha própria humanidade.
Foi nesse sentido que tentei aproximar águas... mas tu tiveste que as separar novamente no comentário final.