Comecei o dia a trocar mensagens, em tempo real, com o músico Joe Brooks. Mal podia acreditar que estivesse acordado, do outro lado do mundo, ao mesmo tempo que eu, quanto mais que estivesse disposto a responder-me.
Subitamente fui transportada no tempo, ao característico e dissonante som de início de ligação dos modems de meia dúzia de kB, ligados a tomadas RITA. Não sei a onomatopeia, mas quem os ouviu não esquece, nem à voz da mãe passado uns minutos a gritar “- Desliga isso que preciso de fazer um telefonema!”.
Nunca esqueci também uma ida para a escola aos 12 anos (a pé, pasme-se!), ouvindo a minha amiga descrever entusiasmada o que “parece que vai existir”... e o que parecia que ia existir era um Bip que permitia responder às mensagens recebidas. E surgiu, uns anos depois, chamado telemóvel.
A tecnologia evoluiu. A tecnologia é maravilhosa. Uniu-nos de formas que ultrapassam a nossa compreensão, tanto quanto a noção de 100 milhões de euros no jackpot.
Mas, em determinado ponto, começámos a andar curvados, olhos ao nível do peito, teclando furiosamente qualquer coisa (urgente!) ou vendo um vídeo (urgente!) ou qualquer outra coisa (urgente, certamente!).
Foi perdida nessa irritação com o chamado phubbing que apaguei a conta do Facebook e retirei todos os seguidores e seguidos da conta do Instagram, para voltar a seguir, com intenção, os que me acrescentavam valor à vida.
Reconciliada com a internet e as redes sociais, percebo que há bom e muito bom no mundo. É preciso procurar. Tal como na vida, o digital devolve os resultados da pesquisa.
We're the fire, the flames they can't put out A faith like oxygen So breathe it in, be with me now It's us against the world, it’s us against the world Try stopping us now
Provavelmente tão absurda e inútil como a que te levou a crer que era amor a solidão que sentias.
Abandonei o castelo.
Nos vidros dessa janela altaneira através da qual vives o mundo, apenas o reflexo do céu.
I'll leave these sticks and stones where I came from Write the hurtful words down in my healing song Oh I know you will be listening But my dear I doubt you'll sing along
A esta altura a minha existência é um fogo cruzado de pensamentos. Talvez precise de horas e dias de reflexão para os encaixar de forma a que façam sentido ou talvez precise de estudar mais. Provavelmente ambas.
Ando perdida na leitura de Séneca... sobre a brevidade da vida; as consolações; sobre a tranquilidade da alma. Leio, releio, sublinho, passo à frente e volto atrás.
Por outro lado, o minimalismo como movimento parece dever muito a esta filosofia do estoicismo, mas ainda não consigo chegar ao aforismo conjunto que, em última instância, me faça encontrar (o) sentido.
O minimalismo, enquanto fase inicial de reduzir “coisas”, dá-nos sem dúvida espaço para pensar o que é essencial. Retira a desarrumação física da equação, para se poder começar a arrumar a cabeça e a vida. E, caramba!, se eu arrumei as coisas. A casa é ampla e o dinheiro estica. O tempo é imenso. Mas sinto que a essência me continua a escapar...
De Sobre a Brevidade da Vida retirei a leveza de não me sentir louca na necessidade, desde cedo sentida, de ser meu o meu o tempo. Como nos batemos com armas pelo espaço roubado pelo outro, mas como somos cegos ao roubo do nosso bem mais precioso: o tempo. Pior, como somos os primeiros a cedê-lo sem pensar duas vezes.
Tudo numa correria de casa para trabalho para casa, para subir numa escada corporativa que leva a dinheiro que leva a coisas que leva... a nada. Porque no fim, o precioso tempo acaba para todos e, com esse, não nos preocupámos um segundo.
“The actual time you have (...) inevitably escapes you rapidly; for you do not grasp it or hold it back or try to delay that swiftest of all things, but you let it slip away as though it were something superfluous and replaceable.” - Seneca, On the Shortness of Life
“No one will bring back the years; no one will restore you to yourself. (...) You have been preoccupied while life hastens on. Meanwhile death will arrive, and you have no choice in making yourself available for that.” - Seneca, On the Shortness of Life
“The greatest obstacle to living is expectancy, which hangs upon tomorrow and loses today.” - Seneca, On the Shortness of Life
E, no meio destas leituras, ouvi o episódio do Podcast “Break the Twitch” - Align Money & Happy. No resumo final, feito por Anthony Ongaro, encontrei algum sentido conjunto.
Dinheiro é uma medida de tempo. Foi tempo gasto (ou perdido?) que se transformou em determinada moeda. Se a gastamos em coisas que não acrescentam valor à nossa existência; se o gastamos no “twitch” da compra com um simples clique... que estamos nós a fazer se não a desperdiçar a vida? Porque esse dinheiro foi tempo, foi vida que ficou por viver.
Encontrei-me com o tempo no espaço que vai entre ontem e depois sabe deus. Era uma mulher quebrada, curvada, de mundo às costas feito de como e porquê. Nos passos lentos e curtos, arrastava as pesadas correntes de horas e dias, embrulhadas com meses, das vidas nos anos perdidas.
E, na esquina entre depois sabe deus e talvez, eu esperava, quebrada, curvada, olhando o ontem regressar a casa. Enquanto o tempo hesitava, rasguei a alma vestida do avesso. Fiquei despida de tempo e de espaço.
Nua, despida de ti.
Just don't say love, say love, say love, say love, no I've heard that word misused a thousand times before
Sob um céu despido de nuvens, à sombra dos pinheiros que plantámos há uma vida atrás, reencontrei-te. A ti e a nós.
Pela primeira vez em 12 anos tornei a sentir-te; cinza suave entre os meus dedos. Todo o nada exterior que somos transformado na vida que preencheste.
Percorri o Verão de outrora na imagem do barco parado, ali derrotado, sob a coberta cheia de pó e de lixo. A proa, exposta ao sol, tem a tinta a estalar.
À distância dos anos a saudade tem a imensidão do mar que velejámos; a imensidão de tudo quanto (de ti) fiquei por conhecer.