![B1F8FB3A-C780-4133-9A63-CFB3FB156E16.jpeg B1F8FB3A-C780-4133-9A63-CFB3FB156E16.jpeg]()
Fato de circulação. Touca. Viseira. Máscara P2. Protector de calçado. 1º par de luvas. Bata. 2º par de luvas.
O covidário é um espaço hermético onde o silêncio e o som se misturam numa cacofonia de coisa nenhuma. Somos todos iguais com o equipamento de protecção. Somos todos iguais como sempre fomos, que a pandemia veio reforçar a essência humana.
O covidário pediátrico tem por trás o som das vozes e do choro de crianças.
No meio do desconforto pareceu-me ouvir ópera, mas havia tanto ainda a fazer. Tudo no ritmo lentificado de teclados cobertos com película aderente e movimentos tolhidos pelo equipamento e pelo receio de falhar algum passo de desinfecção.
Pareceu-me, novamente, ouvir ópera por entre o choro. Mais do que ouvir senti nas entranhas que era a música da minha existência. Estava novamente na Gulbenkian. E a Prima Donna... não pude deixar de sorrir.
Levantei-me e fui ter com a mãe da criança que aguardava mais exames e perguntei-lhe “Está a ouvir ópera?”, o telefone pousado no banco vazio ao lado. Perguntei-lhe se era música. Disse-me que não e explicou-me que nunca teve oportunidade de ir à ópera, que adora. Que a voz da Callas a arrepia e tranquiliza em momentos como aquele. Fez jeito de desligar o telefone feito aparelhagem. Disse-lhe que se deixasse estar a ouvir. Vi-lhe o sorriso na curva do olhar, que agora as bocas andam tapadas.
Nestes momentos somos (mais) humanos.