A mensagem chegou no fim do dia. Chegou enquanto eu saía de palco. Fantasia despida à porta.
Com o volante apertado entre as mãos, chorava a alma... se conseguisse manter a direcção e chegar ao destino.As luzes da cidade em estrelasde lágrimas através do teu olhar... se conseguisse endireitar o sentido da minha existência.
Cada instante. A tua mão na minha perna enquanto atravessávamos o verde do país que nunca foi o nosso. Quando as músicas eram alegres.
Cada instante. O aroma. Aquele que teimou em ficar.
A mensagem chegou no fim de um dia e nunca mais voltou a tocar.
No, I'm six gin and tonics down, baby, I can hardly stand...
Fato de circulação. Touca. Viseira. Máscara P2. Protector de calçado. 1º par de luvas. Bata. 2º par de luvas.
O covidário é um espaço hermético onde o silêncio e o som se misturam numa cacofonia de coisa nenhuma. Somos todos iguais com o equipamento de protecção. Somos todos iguais como sempre fomos, que a pandemia veio reforçar a essência humana.
O covidário pediátrico tem por trás o som das vozes e do choro de crianças.
No meio do desconforto pareceu-me ouvir ópera, mas havia tanto ainda a fazer. Tudo no ritmo lentificado de teclados cobertos com película aderente e movimentos tolhidos pelo equipamento e pelo receio de falhar algum passo de desinfecção.
Pareceu-me, novamente, ouvir ópera por entre o choro. Mais do que ouvir sentinas entranhas que era a música da minha existência. Estava novamente na Gulbenkian. E a Prima Donna... não pude deixar de sorrir.
Levantei-me e fui ter com a mãe da criança que aguardava mais exames e perguntei-lhe “Está a ouvir ópera?”, o telefone pousado no banco vazio ao lado. Perguntei-lhe se era música. Disse-me que não e explicou-me que nunca teve oportunidade de ir à ópera, que adora. Que a voz da Callas a arrepia e tranquiliza em momentos como aquele. Fez jeito de desligar o telefone feito aparelhagem. Disse-lhe que se deixasse estar a ouvir. Vi-lhe o sorriso na curva do olhar, que agora as bocas andam tapadas.
Gosto de café. Gosto que nos levem refeições e gelado. Gosto de chegar a casa e tomar banho para me tentar despir de algum SARS-CoV-2 teimoso. Gosto de cremes múltiplos e variados que me acalmem a pele desgraçada de tanta desinfecção. Gosto de me deitar numa cama. Gosto de ter cama. Gosto das ligações humanas estabelecidas por uma coisa terrível. É mau. Mas pode haver bom. (As minhas notificações vão ficar off para que a vida fique on.)
A 22/Março, depois de um turno, desliguei as notificações a bem da sanidade mental.
Entre uma voz conhecida e uma serena, reencontrei a minha.
Andei perdida até decidir refazer os passos da minha calma e voltar ao Estoicismo. Saber a diferença entre o que se pode ou não controlar.
Meditação
Filosofia
Gratidão
As previsões catastróficas deixo-as de parte. Não controlo o resultado. Controlo ficar em casa.
"I may wish to be free from torture, but if the time comes for me to endure it, I'll wish to bear it courageously with bravery and honor. Wouldn't I prefer not to fall into war? But if war does befall me, I'll wish to carry nobly the wounds, starvation, and other necessities of war. Neither am I so crazy as to desire illness, but if I must suffer illness, I'll wish to do nothing rash or dishonorable. The point is not to wish for these adversities, but for the virtue that makes adversities bearable.”