Oiço-te a voz por cima da tempestade…
Oiço-te a voz por cima da tempestade, na tua vontade obstinada que nos mantém na amura do bom tempo.
Oiço-te a voz por cima da escuridão em que a minha humanidade se esgota. No mar agitado onde me afogo.
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
Oiço-te a voz por cima da tempestade, na tua vontade obstinada que nos mantém na amura do bom tempo.
Oiço-te a voz por cima da escuridão em que a minha humanidade se esgota. No mar agitado onde me afogo.
Quero decorar-te os contornos. O brilho de um olhar rasgado em sorriso. A forma como te aproximas, decidida; o passo de quem esqueceu a insegurança numa esquina do passado.
Quero decorar-te as palavras. Soltas, incisivas; o discurso de quem não conheceu tempo perdido. Só este instante e aquele e todos os outros. Sem margem a dúvidas.
Quero redescobrir-me nesta nossa dança, em que me permites liberdade; em que cedes o espaço. Em que o amor é possível.
Setembro nasceu com as cores da saudade, enquanto eu vou aprendendo a existir comigo mesma. A deixar atrás a vida sonhada.
Ao entrar em casa penduro a ilusão como quem despe o casaco.
Cá dentro nada. Cá dentro tudo.
Há um cansaço na forma de pensar e uma necessidade por identificar.
Pudesse eu ser diferente de mim.
Senti amor. Vivi amor. Uma, duas, três vezes.
A dúvida entre um bater e o outro. O renascer sincopado.
Durante e depois... de sentir e viver amor.
Uma, duas, três vezes.
Sabia que era capaz de a transformar. Via todo o potencial através do olhar escondido pelas mechas escorridas de cabelo. Tinha a certeza de tudo o quanto ela podia ser. Estava tão certa do que faltava concretizar que me esqueci de aceitar que nada daquilo existia. Não naquela altura. Não ainda. Talvez nunca.
Continuo sem saber quem amei naquelas tardes. A possibilidade que nunca viria a substanciar-se? A mim por me considerar excepcional a detectar o potencial alheio?
“Se ela não for infeliz, o que lhe sobra? Tens que aceitar isso.” Um ano e meio depois a simplicidade e o pragmatismo destas palavras esbofetearam-me. Acabara de dar voz ao que eu não quisera ouvir. Nem ver. Ou sentir. Apesar de mo ter sido dito quando nenhum elogio chegou. Foi demonstrado de cada vez em que não esteve presente. Foi até sentido na ausência de amor. Foi claramente sentido todos os dias em que fui usada. A puta das 7 da manhã.
Teimosa e estupidamente, continuei a tentar penetrar a fortaleza vazia.
Passei os meses seguintes a reproduzir essa manhã e todas as outras noites. O que teria feito diferente. O que teria sido melhor se eu soubesse ser uma pessoa “normal”. Satisfeita. Humilde. Eu sonhei com amor no Verão da minha infância e perdi-me em buscas no Inverno da minha vida.
Recostei-me no lugar habitual. O azul do céu do fim de dia emoldurava o verde das copas das árvores. Da zona do palco conhecido, vazio, chegavam alguns sons repetidos, em jeito de aquecimento.
Trouxeste contigo outra tonalidade de azul - densa; concreta. E essa outra moldura abraçava a pele dos ombros que eu despi lentamente ao som de mil pássaros em vôo.
Há tantos anos atrás a música havia parado. Naquele instante, com a tua chegada, reiniciaste o compasso.
Imagino que o mesmo céu desaba sobre ti. Que as luzes da cidade refractadas em mil gotas vão acabar em ti. E eu irei encontrar-te, na multidão, à espera, por fim.
Mas a chuva é só chuva. A cidade não tem fronteiras. E nada te aproxima de mim.
Sob o olhar sobranceiro de quem dirigia a turma trocavam-se bilhetes e borrachas, lápis ou afias, comentários ou risos transformados em sorrisos pelo silêncio imposto.
Da escadaria que parecia terminar à porta do primeiro andar da eternidade, o branco etéreo filtrado pela sua clarabóia inatingível, saíam patamares a cada lado. Era aí que esperávamos. Eram esses minutos, esse encontro, que faziam da escola o sítio onde queríamos estar. Até porque nenhum de nós precisava, de facto, de lá estar. Era a escola depois da escola. Era a magia dos arco-íris depois das paredes monocromáticas das manhãs repetidas.
Saindo de umas aulas a caminho de outras. Fugindo para salas com contrabaixos onde fingíamos ser músicos de jazz no meio da formação clássica. Escapávamo-nos para as salas de percussão onde aparentemente o ruído era permitido, desde que respeitados os silêncios entre ritmos. Trocávamos instrumentos, arranhávamos violinos e soprávamos em trompetes, com aquele que sabia o truque catalisador da sonoridade a aquiescer que “até nem estava mal”.
Foi nesses primórdios de vida e possibilidade, depois da sinfonia do modem a ligar-se à linha telefónica, que o teu correio chegou, à velocidade medida em KB. Chegou com o estrondo de uma bomba a cair no meio de outro local de impacto.
Uma mulher. No meio de outra mulher. Com outra que não era mais que uma miúda. A gerir coisa nenhuma. Uma declaração de amor, em código binário, que viria a alterar para sempre a vida vivida naquela escola. Foi o instante em que a música parou.
Numa viagem de combóio ao encontro da noite, recordo o aroma envolvido no delicioso enrolar da tua pronúncia com um oceano no meio. O aroma, sempre esse. Tantos anos depois continuo a saber qual me atiraria de volta à carruagem que me devolveu a uma vida sem ti.
Sei a diferença horária à distância do vórtex temporal que nos engoliu. Nas harmonias silenciadas pelos anos seguintes, encontro os passos perdidos no labirinto de ser deixada apaixonada, àquela altura da vida, quando o futuro parecia não ter existência; quando nada era palpável a não ser o perfume deixado atrás e a dor sentida no instante.
E onde foram as outras noites e dias que terão existido? Não guardo, não escondo, não sei.
Agradeço-te a persistência. O regresso, intemporal, para me relembrares que amar é possível, no meio da dor, no meio da perda, no meio de falha após falha após outra.