Encontro-te nas rugas que trago...
Encontro-te nas rugas que trago; no sabor acre que persiste.
Nas palavras por dizer ficaram mundos de distância.
De mãos dadas a nada parto em busca da noite.
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Encontro-te nas rugas que trago; no sabor acre que persiste.
Nas palavras por dizer ficaram mundos de distância.
De mãos dadas a nada parto em busca da noite.
Pára o tempo e os gritos em redor. Diz porque teimas em seguir pela rua dos candeeiros apagados.
Pára e escuta: eles continuam. Atacam em síncopes sucessivas.
Pára o tempo. Silencia a dor. Inventa espaço.
Hoje não me apeteces. O cinzento do teu olhar ameaça chuva no meu.
Hoje escolho este país deserto. Onde tudo é nada.
Onde a ausência se torna paz.
O azul que te leva tem a velocidade dos ventos do deserto que deixa para trás.
Despojado. Como se nada, jamais, o tivesse habitado. Grãos de areia caídos entre os dedos, como a vida ao entardecer.
Árido. Como se ninguém, jamais, tivesse bebido do seu oásis esquecido.
O azul que te leva tem a força do que teima em resistir.
Mas nada estremece; nada cala; nada sente. Nunca nada mais perto.
Foi assim que me despi do pensamento mágico. Joelhos junto ao peito, pernas cruzadas, mãos dadas entre si. Aninhei-me o melhor que pude, recortada de encontro ao vazio que deixaste no colchão.
Foi assim, coberta de lágrimas, que esperei a tranquilidade da noite que não chegou.
Foi assim até que o silêncio engoliu as dúvidas e a manhã despertou na certeza da solidão.
Em redor as cores de outrora, quando pegava em pincéis abandonados aos seus restos de tinta. O papel desmaiado no estirador, com os cantos revirados pelo roçagar de antebraços tingidos.
À frente dos tímidos traços iniciais estendia-se o imaginário. Onde tudo era maior, na dimensão secreta dos adultos, na época das possibilidades.
Aos poucos, as cores de outrora dissolvem-se no redemoinho da aguarrás.
Abrem-se as portas à noite. Em passo decidido afasta-se do dia.
Não precisa de lua ou estrelas ou cama.
Não sei se pensa o que não sente. Não sei se sente o que cala.
Na dúvida, aconchego a roupa ao corpo e guardo no bolso a mão que largaste.
Setembro nasceu com as cores da saudade, enquanto eu vou aprendendo a existir comigo mesma. A deixar atrás a vida sonhada.
Ao entrar em casa penduro a ilusão como quem despe o casaco.
Cá dentro nada. Cá dentro tudo.
Há um cansaço na forma de pensar e uma necessidade por identificar.
Pudesse eu ser diferente de mim.
Como confiar em mim se não sei quem és?
Vinda da escuridão vi serpentinas coloridas a saírem-te da boca em cascatas de sonhos que nunca seriam vividos. Como confiar em mim? Ou num outro tu?
Das noites que me roubaram aos dias depois dos dias, o que fica são as dez toneladas de dor que me deixaste no peito.
Sabia que era capaz de a transformar. Via todo o potencial através do olhar escondido pelas mechas escorridas de cabelo. Tinha a certeza de tudo o quanto ela podia ser. Estava tão certa do que faltava concretizar que me esqueci de aceitar que nada daquilo existia. Não naquela altura. Não ainda. Talvez nunca.
Continuo sem saber quem amei naquelas tardes. A possibilidade que nunca viria a substanciar-se? A mim por me considerar excepcional a detectar o potencial alheio?
“Se ela não for infeliz, o que lhe sobra? Tens que aceitar isso.” Um ano e meio depois a simplicidade e o pragmatismo destas palavras esbofetearam-me. Acabara de dar voz ao que eu não quisera ouvir. Nem ver. Ou sentir. Apesar de mo ter sido dito quando nenhum elogio chegou. Foi demonstrado de cada vez em que não esteve presente. Foi até sentido na ausência de amor. Foi claramente sentido todos os dias em que fui usada. A puta das 7 da manhã.
Teimosa e estupidamente, continuei a tentar penetrar a fortaleza vazia.