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com a cabeça entre as orelhas

com a cabeça entre as orelhas

19
Jun21

Não imaginava eu que a Filosofia viria a ser um bote salva-vidas.

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Não imaginava eu que a Filosofia viria a ser um bote salva-vidas. Não aos 16 anos, quando a estudava oficialmente e ainda que a Lógica me fascinasse.

O meu regresso à Filosofia surgiu de uma necessidade de estrutura mental. Da sensação de vertigem num mundo ao qual não sei dar sentido.

A maior paz que consigo sentir, à falta de uma qualquer religião, está nos períodos de leitura matinal. Nos estóicos encontro a leveza que me falta.

Sinto-me aluna oficiosa. A falhar, de forma repetida, nas tentativas várias de a aplicar à vida... mas foi o que me permitiu fugir ao algoritmo dos dias de hoje, decidindo deixar de jogar quando já não me interessa.

 

Don’t be a greater coward than children, who are ready to announce, “I won’t play anymore.” Say, “I won’t play anymore,” when you grow weary of the game, and be done with it. But if you stay, don’t carp. - Epictetus, Of Human Freedom

01
Fev20

Acabei a leitura da Apologia de Sócrates.

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Acabei a leitura da Apologia de Sócrates.

Não sei filosofia que me permita uma dissertação. Sei que os argumentos apresentados na própria defesa e, posteriormente, no diálogo com Críton, me deixaram a pensar na aceitação (do que é). Morte incluída. A única certeza que poucos ousam trazer à discussão. 

O ser humano parece apostado na imortalidade. Não fosse o novo vírus, aquele acidente trágico, aquela outra catástrofe natural... não fosse a vida e a vida era eterna.

 

Não sei, Atenienses, que impressão vos causaram os meus acusadores. Pela minha parte, ao ouvi-los, estive quase a esquecer-me de quem sou, a tal ponto eles foram persuasivos. E, no entanto, se assim me posso exprimir, não disseram uma só palavra verdadeira.

09
Jul19

De cada vez que alguém...

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De cada vez que alguém, com ar vencedor, anuncia ter enganado a morte em determinada altura, eu pergunto-me como é possível essa sensação. Não a de ter adiado o inevitável, mas a de invencibilidade. Só me sinto invencível quando decido o que fazer com cada um dos meus instantes, agora. Precisamente por reconhecer, reflectir e aceitar a constante mudança de estados até que o estado seja nenhum. 

Saber que a morte é certa e reflectir sobre o que isso diz da vida é uma capacidade única do ser humano, racional. Ainda assim, tantas vezes se prefere o pacto de silêncio como se, ignorando a paragem final, ela passasse por nós como todas as outras que se vêem pela janela de um combóio que não se detém.

Reconhecer - em consciência - a existência de um fim, ainda que não se saiba quando, dá-nos a capacidade de viver uma vida melhor. Mas basta um olhar em volta e encontram-se objectivos: o que alcançar; como alcançar; quando alcançar. Com a importância de algo capaz de permitir o acesso à vida eterna, uma vez atingido. Raramente se ouvem as perguntas: “porquê?”, “com que sentido?”, “para que fim?”.

Como o rei-filosófo de Platão advoga, nada que seja proveniente de uma natureza universal poderá ser mau na sua essência, mas apenas nos nossos julgamentos sobre aquela. A morte é uma dessas partes do todo. Porque não permitir o diálogo sobre ela? De forma a permitir uma saída de cena digna, sem (com menos?) arrependimentos.

 

21
Jun19

O tempo ou a noção do mesmo.

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O tempo ou a noção do mesmo.

Hoje é o dia mais longo do ano. O mais longo sozinha. Mas, dado tempo suficiente, não há nada que não seja um mero piscar de olhos na eternidade, que o tempo tudo apaga, até quem poderia vir a ter memória  dele.

Não sou de lembranças profundas ou distantes, mas assumo alguma ansiedade perante a ideia deste tempo todo não ser tempo nenhum. A inexorabilidade de todas as mudanças e esquecimentos. De ser tudo normal, tudo banal, tudo mortal. 

E eu onde? E eu quando? Em que função? Para que fim? “What brings no benefit to the hive brings none to the bee”, pode ler-se no livro sexto das meditações. A abelha, porém, não sabe que existe tempo a pensar ou a perder.

Continuo a não acreditar que fingirmo-nos irracionais resolva a ansiedade que a realidade da existência humana pode acarretar para alguns. Partilhando mais talvez fosse menos tempo o tempo do desespero.

 

How swiftly unending time will cover all things, and how much it has covered already! - Marcus Aurelius, Meditations

 

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19
Jun19

Estou hoje fragmentada.

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Estou hoje fragmentada. Dispersa em sentidos vários sem direcção evidente. A submersão iminente no caos fundido como alumínio.

Não sei ao certo nomear as minhas amarras, mas sinto-as próximas, a infiltrarem-se, apagando aos poucos o hoje feito ontem.

Ah, África! O quanto me purgas a alma. Pudesse eu voltar a estar aqui e acolá ao mesmo tempo.

Resta-me a consciencialização de todas estas emoções, tão inúteis quanto passageiras, trazendo-me de volta ao que é, agora.

24
Mai19

Numa pequena sala...

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Numa pequena sala, que vim a considerar acolhedora, perguntaram-me há anos o que era a bondade. 

A minha resposta foi um silêncio embaraçado.

O que é a bondade?

Na altura julguei que seria dizer “sim” a tudo e a todos, mas quando parti desse pressuposto para a acção, dei-me conta de estar longe de me sentir bondosa. Dizer a tudo e a todos que sim deixou-me exausta, impaciente, intolerante, irritável e irritante... 

Na casa da minha infância, antes das suas paredes reflectirem mais ecos, o meu pai pediu-me que fosse boa profissional e uma profissional boa.

O que é a bondade?

Continuo a lutar com o conceito. Dou-lhe a mão de um lado, levanto-lhe o braço do outro, inspecciono as pregas da roupa que veste e continuo pouco certa.

O que é a bondade?

O mais próximo que consigo é ser mais coerente com os meus valores; é treinar a consciência que me permite aceitar o outro como meu semelhante. Despir-me dos meus juízos e compreender que, ainda que não me faça sentido, alguma coisa o preocupa do outro lado e tentar ouvir; estar verdadeiramente presente no presente.

 

 

The monster in my head is ruthless.

 

 

19
Mai19

Gosto do silêncio.

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Gosto do silêncio. Encontrei-o quando reduzi a vida.

Consigo estar, ler e pensar. Conseguiria ser se a angústia não aparecesse, ao virar da página, para me envolver com o seu abraço. 

A angústia em relação à (ausência) de sentido, de valor. A angústia em relação ao vazio. À morte que me levou a voz e o toque de quem me desenhou a vida.

A finitude da vida deveria ser a sua força motriz. Mas quem serei eu quando não for o que conheço?

Foi simples libertar o corpo dos bens materiais supérfluos. Foi simples encontrar este silêncio. Mas como se liberta a mente, a consciência, a alma, quando o corpo é a mais pesada das âncoras? 

Fecho o livro e fujo para o som da música. 

 

“(...) what it means to die, and that if one considers death in isolation (...), one will no longer consider it to be anything other than a process of nature, and if somebody is frightened of a process of nature, he is no more than a child” - Marcus Aurelius, Meditations

16
Mai19

Por mais que tente...

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Por mais que tente afastar-me das paixões acesas por coisa nenhuma, continuo a ter pouca tolerância para certos queixumes.  É quando tento aceitar que é tão em vão os outros queixarem-se, como eu irritar-me com isso. Torno a focar nos motivos para me sentir grata e aguardo o minuto seguinte de paz... que teima em tardar.

Parece-me tudo inútil; todo um gasto energético desnecessário. Mas hoje não houve técnica nenhuma a devolver-me à tranquilidade.

Talvez precise de descansar. Talvez precise de continuar a tentar. Talvez deva aceitar que dar-me conta das minhas limitações é um (possível) passo na direcção certa.

 

“And so we ought to adopt a lighter view of things, and put up with them in an indulgent spirit; it is more human to laugh at life than to lament over it. Add, too, that he deserves better of the human race also who laughs at it than he who bemoans it; for the one allows it some measure of good hope, while the other foolishly weeps over things that he despairs of seeing corrected.” - Seneca, On Tranquility of Mind

15
Mai19

O cansaço era imenso...

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O cansaço era imenso quando voltei costas à vida que conhecia: trabalho e casa... para dormir. Vivia a intervalos de dois dias a cada cinco. Que desesperança. Que falta de sentido. Que compasso sincopado para o abismo.

Com a noção de ter recuperado o controlo para decidir a vida que quero viver - mesmo quando a vida se mete no caminho - encontrei tranquilidade para tentar crescer. 

Hoje, com tempo, consigo sair do meu juízo precoce, olhar o outro nos olhos e senti-lo igual a mim na humanidade. Isso é o bastante para aproximar e aplacar, ainda que tão fugazmente, a solidão alheia. A falta de tribo. Pior que lança inimiga cravada no peito. 

Nessa empatia, é possível desenhar um sorriso no mar de lágrimas que nasce da ferida.

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