Não consigo.
Não consigo. Ainda não.
Cada passo dado dois apagados.
Mantenho o olhar no horizonte, perdido, esperando deixar de esperar.
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Não consigo. Ainda não.
Cada passo dado dois apagados.
Mantenho o olhar no horizonte, perdido, esperando deixar de esperar.
Falta sentir os sentidos.
Saber a que sabias quando te ouvia. Saber o aroma quando te via. Saber o calor da pele numa noite fria.
Como fumo que se esfuma num olhar, falta-me saber o que dantes sabia.
Decifrei a regra dos terços.
Se me posicionar exactamente no terço médio consigo dormir.
Já sei dormir nesse intervalo da cama.
Sem espaço para ti; sem margem para cair.
Há os que vêem.
Há os que vêem quando lhes é mostrado.
Há os que nunca irão ver.
Há, também, uma nova “(a)normalidade”. Aquela em que, em terra de cegos, quem vê é ninguém.
Os dias correm tranquilos. As noites com maior ou menor sobressalto.
Pelas pedras da calçada o caminho é em frente, trauteando melodias de outra altura feita agora.
Tudo o resto, cada vez mais distante, cada vez mais pequeno, cada vez mais indiferente. Numa ilha sem nome. No naufrágio dessa existência.
Estou aqui. Entre músicas. Entre compassos. Entre pausas.
Entre mim e eu. Entre tu e ela. Entre ontem e hoje.
Entre tudo o que não sei o que será e tudo o que sei que dói.
Entre tudo o que te magoei e tudo o me magoaram depois.
Entre o perfeito equilíbrio do universo numa pessoa em um ponto no espaço e no tempo.
Entre os copos que não bebo na bebedeira sóbria da vida.
Estou aqui.
That my feet don’t dance like they did with you.
Estou hoje fragmentada. Dispersa em sentidos vários sem direcção evidente. A submersão iminente no caos fundido como alumínio.
Não sei ao certo nomear as minhas amarras, mas sinto-as próximas, a infiltrarem-se, apagando aos poucos o hoje feito ontem.
Ah, África! O quanto me purgas a alma. Pudesse eu voltar a estar aqui e acolá ao mesmo tempo.
Resta-me a consciencialização de todas estas emoções, tão inúteis quanto passageiras, trazendo-me de volta ao que é, agora.
Não acho que um instante nos possa definir enquanto pessoas. Talvez enquanto pessoa naquele preciso instante.
Talvez não tenhas sido correcta em tantos desses instantes comigo, mas não acho que nada disso te defina hoje ou amanhã. Como no livro, o passado é um país estrangeiro.
Vi tanta miséria hoje. Que podia ser eu. Que podias ser tu. Somos nós nas nossas circunstâncias.
Pela primeira vez consigo dar um passo no sentido da libertação.
“The past may or may not be a foreign country. It may morph or lie still, but its capital is always Regret (...)” - André Aciman, Enigma Variations
A tranquilidade da superfície oculta a dificuldade da caminhada até aqui. Essa sabemo-la nós, que cá chegámos. Quem esteve ao lado e incentivou uma subida após outra; outra descida e mais uma. Num desfiladeiro que esconde dentro de si uma biodiversidade inimaginável.
No repouso transitório da hora de almoço esqueço-me por instantes das dores que me impedem os passos. É quando me levanto que as torno a sentir com a mesma intensidade.
É assim que me dóis quando penso em ti e me dou conta que não o fazia há horas.
Acabei o livro (Enigma Variations). Deve estar muito bem escrito porque senti toda a angústia. Aquela que já é minha também. Não foi fácil de digerir, ainda que o fim tenha sido um pouco anti-climático.
Satisfaz-me, contudo, ter percebido o instante a partir do qual nada, nunca mais, seria igual.
De costas para a cidade, olhar perdido nas águas do Tejo, sabendo que aquele instante seria o último de paz, sabendo que o segundo imediatamente a seguir a levantar-me do banco deixava sentada a alma e arrastava o corpo por uma cidade vazia.
Será isso o vinho da vida? A consciência exacta de cada instante pelo instante que é? Tenho tantas saudades daqueles minutos, ainda sentada. Antes de tudo.