Quando...
Quando é que a tristeza se tornou tão leve, a ausência tão palpável?
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Quando é que a tristeza se tornou tão leve, a ausência tão palpável?
Afinal não era complicado. Nem sequer para um cabeça neurótica, como a minha. Para cada uma destas quantas mais?... e na internet tudo se pode encontrar.
Aceitei que a vida é uma constante em pendências que irão continuar a toldar-me o subconsciente. Partindo desta premissa, opto por despejar as listas e os pensamentos no papel e libertar a preciosa memória RAM do meu frágil hardware.
Afinal tinha nome e tudo: matriz de Eisenhower. E, como parece mais fácil uma pequena mudança de cada vez, repetida até que se torne um hábito, estou a focar-me apenas no quadrante inferior esquerdo.
Não é urgente; não é importante. Não faças!
What is important is seldom urgent and what is urgent is seldom important - Dwight D. Eisenhower
Não imaginava eu que a Filosofia viria a ser um bote salva-vidas. Não aos 16 anos, quando a estudava oficialmente e ainda que a Lógica me fascinasse.
O meu regresso à Filosofia surgiu de uma necessidade de estrutura mental. Da sensação de vertigem num mundo ao qual não sei dar sentido.
A maior paz que consigo sentir, à falta de uma qualquer religião, está nos períodos de leitura matinal. Nos estóicos encontro a leveza que me falta.
Sinto-me aluna oficiosa. A falhar, de forma repetida, nas tentativas várias de a aplicar à vida... mas foi o que me permitiu fugir ao algoritmo dos dias de hoje, decidindo deixar de jogar quando já não me interessa.
Don’t be a greater coward than children, who are ready to announce, “I won’t play anymore.” Say, “I won’t play anymore,” when you grow weary of the game, and be done with it. But if you stay, don’t carp. - Epictetus, Of Human Freedom
No tempo do Nokia 3310 tudo parecia menos complicado, os SMS extremamente caros e as chamadas então... A vida ao ritmo da “cobrinha”. Muitas aulas de anatomia foram passadas a analisar a capacidade de extensão daquela linha devoradora de pixéis, até que se comesse a si própria e morresse.
A tecnologia sempre me fascinou. A evolução constante em velocidade vertiginosa... até que começou a contribuir para a minha auto-destruição.
É impossível viver - de forma relaxada, pelo menos - com esta sobrecarga sensorial. O sistema nervoso central do ser humano não foi concebido para tantos alarmes de possíveis crises ao mesmo tempo.
Na esquina de um tropeço com a rua do desespero, apaguei uma série de apps, retirei outras tantas do ecrã principal, desactivei as notificações de tudo e saí das redes sociais.
Se for urgente telefonem, caso contrário não vou saber que precisam de mim!
Parece uma banheira futurista. Com luzes e tudo. Com tampa e tudo. Com música ambiente e tudo. Com botões que controlam o tudo daquilo.
A água salgada facilita o processo. É impossível não flutuar.
Parece simples e 40 minutos não são muitos minutos... até passarem a ser.
Perdi a roupa e o peso. Deitada num morno tapete salgado, decidi aproveitar o tempo para meditar.
Fechei a tampa. Era só uma tampa.
Apaguei as luzes. Eram só umas luzes.
Desliguei a música. Eram só uns sons.
Passada a claustrofobia inicial percebi a tranquilidade da privação sensorial. A ausência. Talvez apenas o batimento cardíaco ao fundo do ouvido direito. O sussurro da respiração.
Sabe bem conseguir não fazer nada por uns minutos a não ser existir. Sem luz. Sem som. Sem peso(s).
Um dia disseram-me “Queixas-te muito”.
Nesse dia eu fiquei a pensar... e depois esqueci.
Em média, segundo Will Bowen, uma pessoa queixa-se entre 15 a 30 vezes por dia sem que se dê conta.
A G.R.I.P.E., diferente da doença, é uma doença em si só e pretende nomear as possíveis razões:
• Get attention - algum narcisismo disfarçado na queixa
• Remove responsibility - as condições raramente são as ideais
• Inspire envy - vulgo “gabarolas”
• Power - juntando queixosos todos ganham força
• Excuse poor performance - nunca é culpa nossa o que correu mal; já se tinha visto que as condições eram terríveis (vide R.)
Pensamentos não são queixas. Só pensamentos.
Nomear factos (erros) a quem os pode, efectivamente, corrigir não são queixas. Só factos.
O resto são queixas.
Um dia disseram-me “Queixas-te muito”.
Eu fiquei a pensar... e agora acho que vale a pena tentar o desafio “21-day no-complaint”.
Vendi por um abraço.
Mais uma etapa de OLX para me libertar de excessos. A mudança de casa estava já facilitada com a limpeza do ano anterior, mas há sempre mais qualquer coisa que não faz falta.
Depois das combinações difíceis para o encontro que permitiria a venda da mochila em questão, a senhora disse-me que tencionava fazer os caminhos de Santiago com os sobrinhos e que não queria gastar muito dinheiro em material.
A ideia dos caminhos de Santiago atrai-me tanto quanto me assusta. Admiro quem os faz e saber que seria feito em família foi o quanto bastou para que entregasse a mochila a troco de nada. A troco de nada não. Vendi por um abraço. O mais apertado de há muito; oferecido por uma estranha.
Recostei-me no lugar habitual. O azul do céu do fim de dia emoldurava o verde das copas das árvores. Da zona do palco conhecido, vazio, chegavam alguns sons repetidos, em jeito de aquecimento.
Trouxeste contigo outra tonalidade de azul - densa; concreta. E essa outra moldura abraçava a pele dos ombros que eu despi lentamente ao som de mil pássaros em vôo.
Há tantos anos atrás a música havia parado. Naquele instante, com a tua chegada, reiniciaste o compasso.
Acordei com o azul do céu, disposta a deixar as nuvens correr.
Na volta da vida encostei-me ao balcão e ouvi-me pedir “um café e um sonho”. Soou-me a possibilidade. A filme a sépia. Pudesse eu pedir os sonhos como quem bebe o café.
Fica a certeza da esperança na vida, no amor e nos sonhos, quando um pedido banal me transporta para uma película diferente.
Ontem um oceano tranquilo na curva imperfeita do teu sorriso.
Hoje o brilho do sol na terra feita céu do teu olhar.
E assim se faz tempo do tempo na tua anatomia.