Quando...
Quando é que a tristeza se tornou tão leve, a ausência tão palpável?
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Quando é que a tristeza se tornou tão leve, a ausência tão palpável?
Não imaginava eu que a Filosofia viria a ser um bote salva-vidas. Não aos 16 anos, quando a estudava oficialmente e ainda que a Lógica me fascinasse.
O meu regresso à Filosofia surgiu de uma necessidade de estrutura mental. Da sensação de vertigem num mundo ao qual não sei dar sentido.
A maior paz que consigo sentir, à falta de uma qualquer religião, está nos períodos de leitura matinal. Nos estóicos encontro a leveza que me falta.
Sinto-me aluna oficiosa. A falhar, de forma repetida, nas tentativas várias de a aplicar à vida... mas foi o que me permitiu fugir ao algoritmo dos dias de hoje, decidindo deixar de jogar quando já não me interessa.
Don’t be a greater coward than children, who are ready to announce, “I won’t play anymore.” Say, “I won’t play anymore,” when you grow weary of the game, and be done with it. But if you stay, don’t carp. - Epictetus, Of Human Freedom
Recostei-me no lugar habitual. O azul do céu do fim de dia emoldurava o verde das copas das árvores. Da zona do palco conhecido, vazio, chegavam alguns sons repetidos, em jeito de aquecimento.
Trouxeste contigo outra tonalidade de azul - densa; concreta. E essa outra moldura abraçava a pele dos ombros que eu despi lentamente ao som de mil pássaros em vôo.
Há tantos anos atrás a música havia parado. Naquele instante, com a tua chegada, reiniciaste o compasso.
Acordei com o azul do céu, disposta a deixar as nuvens correr.
Na volta da vida encostei-me ao balcão e ouvi-me pedir “um café e um sonho”. Soou-me a possibilidade. A filme a sépia. Pudesse eu pedir os sonhos como quem bebe o café.
Fica a certeza da esperança na vida, no amor e nos sonhos, quando um pedido banal me transporta para uma película diferente.
Ontem um oceano tranquilo na curva imperfeita do teu sorriso.
Hoje o brilho do sol na terra feita céu do teu olhar.
E assim se faz tempo do tempo na tua anatomia.
Não sei ao certo que azimutes traçar.
Vou navegando o desconhecido com calma, entre duas considerações sobre coisa nenhuma e o talvez.
O horizonte mantém-se. É o que é. Será o que sempre foi. A vida e as estrelas e o universo. E tudo passa.
Lentamente os passos afundam na areia.
Devagar, vou sabendo o que é estar sem ser. Estar, apenas. Aqui. Agora. Enquanto quiser.
Aceito a queda. Aceito a promessa da tua teia.
Entre o olhar de uma e o sorriso da outra, todo o tempo do mundo.
Entre o hoje e o agora, sem promessas inúteis, todo o espaço do mundo.
Cada dia é outro, cada dia é novo. O aroma a pecado nas vozes da esperança silenciada.
E depois deixei de esperar.
Quando decidi tentar aprender a dançar ao ritmo de emoções desconfortáveis.
Porque li que a coreografia é uma estratégia de coping. Umas músicas não são melhores que outras, só não as podemos dançar a todas da mesma forma.
Nesse dia apareceste.
E eu deixei de esperar.
Que nunca me esqueça do grande auditório numa manhã de verão com cara de outono.
A patética na estante do piano, professor e aluna discutindo a divisão do tempo, as articulações das frases, quando entra uma cara de outros tempos, de violino na mão, a surpresa pelo auditório com gente.
As hesitações e o silêncio entre as partes, interrompidos por:
- Preciso de um lá!
- Um lá!, respondi tocando... E assim soou; e assim seguiu, violino na mão com a corda afinada.
Possa a vida ter sempre a leveza de uma nota.