Quando...
Quando é que a tristeza se tornou tão leve, a ausência tão palpável?
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
Quando é que a tristeza se tornou tão leve, a ausência tão palpável?
O azul que te leva tem a velocidade dos ventos do deserto que deixa para trás.
Despojado. Como se nada, jamais, o tivesse habitado. Grãos de areia caídos entre os dedos, como a vida ao entardecer.
Árido. Como se ninguém, jamais, tivesse bebido do seu oásis esquecido.
O azul que te leva tem a força do que teima em resistir.
Mas nada estremece; nada cala; nada sente. Nunca nada mais perto.
Em redor as cores de outrora, quando pegava em pincéis abandonados aos seus restos de tinta. O papel desmaiado no estirador, com os cantos revirados pelo roçagar de antebraços tingidos.
À frente dos tímidos traços iniciais estendia-se o imaginário. Onde tudo era maior, na dimensão secreta dos adultos, na época das possibilidades.
Aos poucos, as cores de outrora dissolvem-se no redemoinho da aguarrás.
Abrem-se as portas à noite. Em passo decidido afasta-se do dia.
Não precisa de lua ou estrelas ou cama.
Não sei se pensa o que não sente. Não sei se sente o que cala.
Na dúvida, aconchego a roupa ao corpo e guardo no bolso a mão que largaste.
Setembro nasceu com as cores da saudade, enquanto eu vou aprendendo a existir comigo mesma. A deixar atrás a vida sonhada.
Ao entrar em casa penduro a ilusão como quem despe o casaco.
Cá dentro nada. Cá dentro tudo.
Há um cansaço na forma de pensar e uma necessidade por identificar.
Pudesse eu ser diferente de mim.
Como confiar em mim se não sei quem és?
Vinda da escuridão vi serpentinas coloridas a saírem-te da boca em cascatas de sonhos que nunca seriam vividos. Como confiar em mim? Ou num outro tu?
Das noites que me roubaram aos dias depois dos dias, o que fica são as dez toneladas de dor que me deixaste no peito.
Há 5 anos uma morte. No tempo que se seguiu pareço não ter alcançado muito. Podiam ter sido 5 dias.
No que a vida dos outros avançou, na minha apenas as rugas gritam o tempo. Podiam ter sido 5 dias.
Há 5 anos uma morte. Há 5 anos era sábado também.
“Within your secrets lies your sickness,” Dr. Talbott had said to me when I talked to him (...)
Está no que fica à medida que avanças.
No caminho dos aromas conhecidos.
Está no contorno dos lábios.
No traçado que faço do teu regresso, à medida que os passos se afastam.
Está em tudo o que não é.
Na mão que não estendo. No beijo que fica por dar.
Estará guardado aí.
Maio. Levanta o véu da possibilidade. Tem promessa de mar.
Ou Maio de outro ano qualquer; que em breve o passado é o mesmo e visto de cima os dias esbatem-se uns nos outros.
À distância suficiente tudo é pequeno.
What a night! What bliss is all about!
I thank my native north country!
From the kingdom of ice and snow,
How fresh and clean May flies in!
- Afanasy Fet
(Epígrafe da partitura de Tchaikovsky para o mês de Maio - White Nights!)
Aqueles primeiros acordes entrecortados pelo ruído da chuva torrencial e do movimento do limpa pára-brisas.
Numa noite que foram tantas noites entre chuva e lágrimas. A opressão sentida como duas toneladas no peito.
O passado irrecuperável. O futuro incerto. O presente em cacos.
Hoje estive lá.