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com a cabeça entre as orelhas

com a cabeça entre as orelhas

19
Jun21

Não imaginava eu que a Filosofia viria a ser um bote salva-vidas.

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Não imaginava eu que a Filosofia viria a ser um bote salva-vidas. Não aos 16 anos, quando a estudava oficialmente e ainda que a Lógica me fascinasse.

O meu regresso à Filosofia surgiu de uma necessidade de estrutura mental. Da sensação de vertigem num mundo ao qual não sei dar sentido.

A maior paz que consigo sentir, à falta de uma qualquer religião, está nos períodos de leitura matinal. Nos estóicos encontro a leveza que me falta.

Sinto-me aluna oficiosa. A falhar, de forma repetida, nas tentativas várias de a aplicar à vida... mas foi o que me permitiu fugir ao algoritmo dos dias de hoje, decidindo deixar de jogar quando já não me interessa.

 

Don’t be a greater coward than children, who are ready to announce, “I won’t play anymore.” Say, “I won’t play anymore,” when you grow weary of the game, and be done with it. But if you stay, don’t carp. - Epictetus, Of Human Freedom

01
Mai20

Maio.

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Maio. Levanta o véu da possibilidade. Tem promessa de mar.

Ou Maio de outro ano qualquer; que em breve o passado é o mesmo e visto de cima os dias esbatem-se uns nos outros.

À distância suficiente tudo é pequeno. 

 

What a night! What bliss is all about!

I thank my native north country!

From the kingdom of ice and snow,

How fresh and clean May flies in!

- Afanasy Fet

(Epígrafe da partitura de Tchaikovsky para o mês de Maio - White Nights!)

01
Fev20

Acabei a leitura da Apologia de Sócrates.

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Acabei a leitura da Apologia de Sócrates.

Não sei filosofia que me permita uma dissertação. Sei que os argumentos apresentados na própria defesa e, posteriormente, no diálogo com Críton, me deixaram a pensar na aceitação (do que é). Morte incluída. A única certeza que poucos ousam trazer à discussão. 

O ser humano parece apostado na imortalidade. Não fosse o novo vírus, aquele acidente trágico, aquela outra catástrofe natural... não fosse a vida e a vida era eterna.

 

Não sei, Atenienses, que impressão vos causaram os meus acusadores. Pela minha parte, ao ouvi-los, estive quase a esquecer-me de quem sou, a tal ponto eles foram persuasivos. E, no entanto, se assim me posso exprimir, não disseram uma só palavra verdadeira.

15
Dez19

Num dia de acaso...

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Num dia de acaso vi-te descer a rua em passo decidido. 

Com a armadura virada do avesso o toque aveludado prometia doçura.

Nesse dia de acaso cruzaram-se as linhas da nossa existência. 

Entre sorrisos e lágrimas, mantém-se a promessa... longe do olhar que te viu chegar.

12
Jul19

Que nunca me esqueça...

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Que nunca me esqueça do grande auditório numa manhã de verão com cara de outono. 

A patética na estante do piano, professor e aluna discutindo a divisão do tempo, as articulações das frases, quando entra uma cara de outros tempos, de violino na mão, a surpresa pelo auditório com gente.

As hesitações e o silêncio entre as partes, interrompidos por:

- Preciso de um lá!

- Um lá!, respondi tocando... E assim soou; e assim seguiu, violino na mão com a corda afinada. 

Possa a vida ter sempre a leveza de uma nota.

09
Jul19

De cada vez que alguém...

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De cada vez que alguém, com ar vencedor, anuncia ter enganado a morte em determinada altura, eu pergunto-me como é possível essa sensação. Não a de ter adiado o inevitável, mas a de invencibilidade. Só me sinto invencível quando decido o que fazer com cada um dos meus instantes, agora. Precisamente por reconhecer, reflectir e aceitar a constante mudança de estados até que o estado seja nenhum. 

Saber que a morte é certa e reflectir sobre o que isso diz da vida é uma capacidade única do ser humano, racional. Ainda assim, tantas vezes se prefere o pacto de silêncio como se, ignorando a paragem final, ela passasse por nós como todas as outras que se vêem pela janela de um combóio que não se detém.

Reconhecer - em consciência - a existência de um fim, ainda que não se saiba quando, dá-nos a capacidade de viver uma vida melhor. Mas basta um olhar em volta e encontram-se objectivos: o que alcançar; como alcançar; quando alcançar. Com a importância de algo capaz de permitir o acesso à vida eterna, uma vez atingido. Raramente se ouvem as perguntas: “porquê?”, “com que sentido?”, “para que fim?”.

Como o rei-filosófo de Platão advoga, nada que seja proveniente de uma natureza universal poderá ser mau na sua essência, mas apenas nos nossos julgamentos sobre aquela. A morte é uma dessas partes do todo. Porque não permitir o diálogo sobre ela? De forma a permitir uma saída de cena digna, sem (com menos?) arrependimentos.

 

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